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UM SUICIDA CONSCIENTE

No início, a confusão mental era grande, mas meus sentidos estavam nitidamente mais aguçados. Eu sentia o cheiro horrível daquele lugar, ouvia os gritos e gemidos de dor e sofrimento como se estivessem dentro da minha cabeça, e meus olhos viam além das possibilidades enquanto estamos encarnados.



Fui me adaptando lentamente e minha mente foi gradativamente registrando e decodificando tudo ao meu redor. Não era como antes. As coisas que eu estava vendo ali jamais tinham sido vistas antes.

 

A primeira coisa que registrei foi o ambiente, sem me apegar aos detalhes. Olhei em volta e percebi que estava no topo de um monte, deitado sobre a terra seca. À minha frente, existia um lugar imensurável. Tudo o que podia perceber até aquele momento era que era noite, nublado, com raios e trovões que faziam tremer todo o ambiente.

 

A visão era comprometida por uma névoa que permanecia parada como se fizesse parte daquele lugar. Mesmo assim, foi possível perceber que de ponto em ponto, havia uma fogueira queimando. O fogo era sempre alto e denso. Pessoas se amontoavam ao redor delas, como se quisessem aquecer seus corpos e ficar mais perto da luz.

 

De onde eu estava, podia perceber que muitos estavam desesperados. Uns com as mãos na cabeça como se estivessem passando por uma confusão mental imensa. Outros andavam de um lado para o outro, como felinos enjaulados, provavelmente buscando compreender o que havia acontecido.

 

Alguns, ajoelhados, gritavam, choravam e esperneavam em uma imagem desoladora. Todas as visões demonstravam dor e sofrimento em todos os lugares que eu conseguia olhar.

 

Decidi levantar, mas meu corpo doía de uma forma que não sei explicar. Parecia que todos os meus ossos estavam doendo ao mesmo tempo. Com muito esforço e sacrifício, consegui ficar em pé. Eu não conseguia tocar o meu rosto, de tanto que minha face estava dolorida.

 

Com extrema dificuldade desci pela lateral do morro e fui ao encontro daquelas pessoas. Pude observar mais ao alto, voando pelo céu, aves estranhas ao meu conhecimento. Gigantes, escuras e com olhos grandes e vermelhos que mais pareciam faróis que iluminavam o céu denso e conturbado.

 

Elas sobrevoavam essas pessoas, mas não as atacavam. Era como se elas estivessem se alimentando de suas dores, sofrimentos e sentimentos negativos.

 

Durante minha caminhada, pude perceber que nos lugares mais escuros, escondidos entre as rochas e em alguns buracos que pareciam pequenas cavernas, existiam pessoas escondidas. Chorando e se lamentando sem cessar. Repetindo as mesmas palavras sem conseguir concatenar uma frase.

 

Tudo para mim era estranho, mas ao mesmo tempo muito real. Eu sabia que estava morto, mas o estranho era me sentir mais vivo do que nunca, por mais que eu já tivesse conhecimento sobre a espiritualidade. Eu, num impulso inconsequente, havia tirado a minha própria vida.

Era casado há oito anos, tinha dois filhos com minha esposa. Um com quatro e outro com dois anos. Aparentemente, tinha uma vida tranquila e feliz. Me dava muito bem com minha esposa e nós tínhamos juntos uma vida confortável, pois nada material nos faltava.

 

Porém, certo dia, a vida parece ter virado do avesso. Eu perdi meu emprego seguro no qual estava há mais de vinte anos e, no auge da minha tristeza, pois amava trabalhar naquele lugar, descobri que minha esposa vinha me traindo com meu melhor amigo.

 

Essa soma para mim foi demais. Não suportei e em um determinado dia pela manhã, após a chegada da babá que cuidava das crianças, fui até a varanda do meu apartamento que ficava no 17º andar e me joguei sem tempo para pensar ou ser impedido.

 

Desde então, não me lembrei de mais nada até acordar naquele lugar que algumas pessoas conhecem como o vale dos suicidas. Um ambiente sombrio criado pelas mentes dos que tiraram a própria vida material e descobriram assim como eu que são seres espirituais que apenas estavam vivendo uma passagem material.

 

Descobriram da pior maneira possível que a morte não existe e que apenas haviam multiplicado e piorado muito os seus sofrimentos, pois como eu disse, lá os sentidos são mais aguçados e você sente tudo muitas vezes mais consciente e sensível, inclusive suas dores, sofrimentos, medos e tormentos.

 

Diante disso, fica claro que abandonar a vida física por escolha não abrandou o sofrimento de ninguém, apenas piorou e fez com que todos sofressem ainda mais.

 

Comigo foi ainda pior a dor de me encontrar naquele lugar. Eu tinha conhecimento de tudo isso. Durante minha vida material, apesar de vir de uma família católica, muito cedo conheci a doutrina espírita e já havia me tornado um trabalhador do centro que frequentava, ajudando as pessoas e orientando em diversas situações e dificuldades da vida, inclusive, falando sobre as consequências do suicídio.

 

Enquanto vagava por aquele lugar, eu já sabia exatamente onde estava e os motivos pelos quais sentia tanta dor. Tudo era reflexo da minha última escolha encarnado. Meu perispírito carregava as dores da matéria que sofreu um forte impacto com a queda e deve ter quebrado muitos ossos e prejudicado diversos órgãos.

 

Chegando mais próximo de uma fogueira, pude perceber as marcas que aqueles espíritos carregavam, marcas essas que evidenciavam as formas de suicídio de cada um deles.

 

Uns sangravam na cabeça e pela boca, reflexo do tiro que deram em si mesmos. Outros com os pulsos aparentemente cortados, tentando conter o sangramento. Percebi outros com dificuldade para respirar e marcas escuras no pescoço, o que provavelmente demonstrava serem vítimas do veneno que ingeriram. Em outros casos, percebi marcas de corda no pescoço, me alertando que haviam se enforcado. E tantos outros que demonstravam outras maneiras.

 

Não são atraídos para este vale os considerados “suicidas inconscientes” ou “involuntários”. Aqueles que acabam com a própria vida orgânica por conta dos excessos e vícios ou aqueles que colocaram a vida em risco e a perderam de forma involuntária. Ali estavam somente aqueles que tiraram a vida física por vontade própria, a fim de se livrarem dos sofrimentos e aliviarem a carga emocional que viam carregando.

 

São suicidas conscientes, aqueles que escolheram esse caminho por acreditarem que seria o melhor a fazer, mas perceberam que cometeram um grande equívoco, porque a vida não acabou e o sofrimento havia aumentado, pois além das suas dores emocionais, agora tinham a certeza de que a vida continua e não deram valor à oportunidade valiosa que haviam tido. Assim como eu.

 

O meu suicídio foi por impulso. Eu não vinha pensando nisso e sabia das consequências. Eu simplesmente acordei com esse pensamento e, para não correr o risco de desistir, fui lá e fiz, sabendo das consequências que enfrentaria.

 

Por esse motivo, quando despertei confuso, rapidamente tomei consciência de onde estava e o motivo pelo qual estava ali. Não fiz como muitos fariam naquele momento. Não parei para orar e pedir perdão a Deus. Eu tinha que sofrer e me impus tal sofrimento na medida que julguei necessária.

 

Por mais que tivesse conhecimento e já estivesse completamente arrependido do que fiz, não achava justo sair dali rapidamente sabendo que meus irmãos mais ignorantes ficariam em sofrimento sem expectativa de ter fim.

 

Por muitos anos vaguei naquele lugar. Conversei com muitos espíritos que estavam em sofrimento, na intenção de auxiliar e fazer despertar dentro deles a compreensão da justiça e a necessidade de nutrir em seus corações o arrependimento.

 

Não foi fácil, pois o sofrimento de um, naquele lugar, faz mal ao outro. Estamos todos interligados, mas quando você toma conhecimento sobre a história do outro, é como se você estivesse trazendo para si mesmo toda dor e angústia.

 

Passei momentos extremamente difíceis. Senti saudades da minha família e principalmente dos meus filhos. Trabalhei muito a minha mente para não nutrir ódio em relação à minha esposa ou culpá-la pela minha fraqueza emocional, pois sabia que naturalmente ela se sentiria culpada.

 

Cuidei do meu espírito, mantendo-me em prece em vários momentos, não me permitindo vibrar a mesma energia daquele lugar, mas quanto mais eu elevava a vibração, mesmo querendo continuar ali, mais me sentia sugado pelo lugar.

 

Certo dia, depois de muitos anos, recebi a visita do meu mentor espiritual. Na verdade, tomei conhecimento naquele dia que ele sempre me acompanhou, até naquele lugar, mas não se fazia presente porque eu estava me punindo e mesmo contrário à minha vontade ele me respeitava.

 

Naquele dia, percebendo que eu já estava mais apto a uma conversa, ele se fez presente para mim. Conversou comigo com muito carinho, amor e compaixão. Me fez entender que havia cometido um erro gravíssimo, mas que não deveria mais me punir. A autopunição não era benéfica e eu tinha conhecimento disso, e, mesmo que eu não me achasse digno de uma nova chance, Deus estava pronto para me conceder, mas eu precisava aceitar.

 

Pelo que ele me disse, eu já estava naquele lugar há mais de 15 anos pelo tempo que se conta na terra. Lá é muito diferente a percepção de tempo e eu não tinha ideia disso. Ademais, ele me disse que eu precisava me preparar para receber uma pessoa que em poucos anos também voltaria para a pátria espiritual e estava em busca do meu perdão. Minha esposa.

 

Quando ele me disse isso, pensando mais nela do que em minha punição, eu aceitei o socorro e parti com ele para uma colônia espiritual. A transição foi tranquila. As pessoas que me receberam lá não me julgavam pela minha fraqueza, mas elogiavam a minha força e coragem de, mesmo tendo conhecimento e podendo sair daquele lugar através do arrependimento que eu nutria desde o primeiro dia, não quis e ajudei muitas pessoas.

 

Me disseram que vários dos que eu havia orientado naquele lugar já haviam sido resgatados e viviam uma nova perspectiva de vida. Era como se eu, mesmo desencarnado e em sofrimento, jamais tivesse deixado de auxiliar o próximo e praticar a caridade. Isso muito me alegrou.

 

Hoje continuo na pátria espiritual sem intenção de retornar à carne. Faço visitas frequentes ao vale dos suicidas a fim de resgatar nossos irmãos que ainda cometem esse erro terrível.

 

Recebi a minha esposa e a perdoei no mesmo instante. Na verdade, eu já havia feito isso, só não tinha tido a oportunidade de dizer. Ela já está voltando para a matéria e eu assumi o compromisso de acompanhar os seus passos na terra como um mentor espiritual. Tenho certeza de que ela será muito útil no planeta.

 

Encerro meu relato esclarecendo que o suicídio é uma ilusão. Não existe a menor possibilidade de findarmos nossa vida espiritual. Nós somos seres imortais. A única coisa que conseguimos findar é nossa vida orgânica. Quando destruímos o nosso corpo físico, nosso espírito se liberta e carrega com ele todas as dores e sofrimentos em proporções muito maiores.

 

Não importa o que você esteja sofrendo, tirar a sua vida não irá resolver o problema. A única coisa que resolve é enfrentá-lo, resolvê-lo e se livrar dele de maneira consciente e inteligente.

 

Para evitar esse tipo de impulso, busque o conhecimento. A espiritualidade nas mais variadas religiões e doutrinas pode esclarecer essas questões, cada uma com uma visão diferente, mas no final, ensinando a mesma coisa. O suicídio não é solução.

 

Muito pelo contrário, ele piora a sua situação. Reflita sobre isso. Se estiver com esses pensamentos, busque ajuda, não tenha medo e muito menos vergonha de falar sobre isso. Existem boas pessoas à sua volta capazes de entender a sua situação sem julgamentos e te dar uma palavra que pode mudar seus pensamentos, suas atitudes e, consequentemente, o seu destino.

 

Não deixe de absorver este ensinamento com todo o coração, pois posso afirmar categoricamente que, se você considerar tirar a sua própria vida, irá se arrepender profundamente por não ter ouvido estas palavras. Eu vivi isso em primeira mão e, através da minha própria jornada, sei exatamente o que estou dizendo. A vida espiritual é única e a vida física é apenas uma etapa pela qual escolhemos passar para aprender e evoluir. Se sentir o peso da caminhada, não pense em desistir, mas sim em compreender os motivos. Muitas vezes, somos nós mesmos os responsáveis pelos nossos próprios sofrimentos. Reflita profundamente sobre isso.

 

Saiba que você está envolvido em um abraço caloroso não apenas por mim, mas também por todos os espíritos amigos que te acompanham. Que a paz e a luz estejam sempre contigo.

 

NAVEGANTES DA ESPIRITUALIDADE.

(Relato Espiritual) 

 

 

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